terça-feira, 12 de maio de 2009

Apoio materno

O garoto chega animado em casa e decide contar uma grande novidade para sua mãe, que sempre o apoiou em tudo:
- Mãe, tenho uma coisa super legal para te contar.
- O que foi? – pergunta com curiosidade e animação.
- Acho que encontrei uma atividade física que gosto. Você não vivia dizendo que eu era um sedentário e que precisava arrumar alguma coisa para fazer?
- Claro!
- Pois é, encontrei a atividade física. A partir de hoje vou me dedicar ao Muay Thai.
- O quê? – pergunta (a mãe) sem saber do que se trata.
- Muay Thai, mãe. Sabe aquela modalidade que vem da Tailândia?
- E que modalidade é essa que foi inventada no interior do Pará?
- Não, mãe. Não estou falando do interior do Pará. Estou falando do país asiático. Entendeu?
- Agora sim. Mas o que é isso, meu filho? Nova modalidade de atletismo? Provas de natação para longas distâncias? É melhor que seja alguma coisa do tipo, porque se não for...
- Qual seria o problema?
- Não vou aprovar. Nunca vou aprovar um esporte aloprado, nunca. Mas você ainda não me explicou o que é esse tal de... Como é mesmo?
- Muay Thai.
- Isso. Me explica de um vez do que se trata!
- Pois é...
- Não gosto quando você começa com esse “pois é”. Anda, desembucha.
- Então...
- Piorou. Agora eu sei que não vem coisa boa daí.
- Veja bem...
- Nossa, veja bem é...
- Pelo amor de Deus! Me deixa falar. – disse o garoto, já impaciente.
- Ta bom, mas não comece com “pois é”, “então” ou “veja bem”. Por favor.
O garoto respirou fundo, tentando recuperar o fôlego e a paciência, que a cada segundo ficava mais escassa:
- O Muay Thai foi desenvolvido na Tailândia. Pode ser praticado por qualquer pessoa e de qualquer idade. Sem restrições. Ajuda a controlar a mente e, como se trata de uma atividade física, faz bem para manter o corpo em forma.
- Mas isso, esse nome estranho aí que você falou, é algo novo ou velho?
- Pode-se dizer que é velho, eu acho.
- E como que eu ainda não vi nada a respeito?
- Ah, vai ver que a senhora não anda antenada com o mundo do Muay Thai.
- Por acaso está me chamando de lesa, moleque?
- Não, mãe. Longe de mim.
- Sei. Continua sendo pouca informação para mim. Preciso de mais detalhes. Anda, fala logo. Esse troço trabalha que partes do corpo?
- Mãos, cotovelos, antebraços, pés, canelas e joelhos. Basicamente isso.
- Me fala o nome de alguém que pratica isso?
O garoto sabia que sua situação estava ficando cada vez mais difícil. Como esconder que se tratava de uma arte marcial? Ele optou por dizer nomes de lutadores famosos, que começaram no Muay Thai, e que ela, a mãe, com certeza não conhecia:
- Tem o Vanderlei Silva, Anderson Silva, Maurício Shogun, Marco Ruas e mais uma porrada.
Nesse momento, ele pensou: “Graças ao meu bom Deus. Ela caiu, não conhece ninguém”. Mas a conversa tomou um rumo inesperado:
- Me diz uma coisa...
- O quê? – perguntou tranqüilo.
- Não são esses brutamontes que você assisti lutando? Principalmente nos sábados a noite?
- São. Hoje eles estão no vale-tudo, mas começaram no Muay Thai.
- Para mim não faz diferença alguma. É tudo esporte aloprado e eu não concordo.
- Mas por quê?
- Você nasceu perfeito e agora quer se arrebentar em esporte besta?
- Também não é assim. O Muay Thai, bem ensinado, é bem menos perigoso. E quer saber, sempre me garanti quando o assunto era o mano a mano.
- Eu não aceito. Esse negócio é uma estupidez, um absurdo.
- Agora não tem mais jeito. Já estou matriculado e não vou desistir.
- Então não conte comigo para nada. Eu não vou fazer massagem em um dedo seu. Estou avisando que o problema é todo seu.
- Mas você sempre me apoiou. Por que não vai me apoiar dessa vez?
- Porque isso é violência e eu não tolero violência. E sai logo da minha frente senão meto a mão na tua cara!
- Mas isso é tão contraditório!
- Moleque, some daqui. Eu não estou brincando!


Gabriel Medeiros.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Os reflexos da crise mundial

Cinco horas da tarde. Na Praça Batista Campos, localizada no centro da cidade de Belém, um sujeito mal vestido caminha observando as árvores. Grandes árvores, por sinal. Sente o vento batendo no seu rosto e percebe que algumas pessoas estão caminhando, ou melhor, fazendo a atividade física diária. Seu olhar está longe, no pôr-do-sol, procurando a saída para um problema que está vivendo. Esse problema é a crise mundial. Foi a responsável pela sua demissão. Um excelente funcionário, com mais de 22 anos de empresa, agora andava lentamente pela praça. Não tinha o que fazer. Muitos o rotulavam de vagabundo.
Um outro sujeito também caminha. Comparando com o primeiro, podemos dizer que está mais bem vestido. Nada de terno e gravata, mas um sujeito bem mais apresentável. Camisa com manga impecavelmente passada, bermuda jeans ainda com perfume do amaciante, uma sandália de dedo e relógio de pulso. Nos pés, sandália que não era cara nem barata. Ele parecia estar mais preso á realidade. Seu olhar não tinha aquele desespero que podíamos observar no homem mal vestido. O que podemos ver em seu olhar é uma raiva, a fúria de alguém que procura, mas não acha o que deseja.
Os dois se encontram. Não por acaso, mas por iniciativa do homem que estava bem vestido. Assim, começaram a seguinte conversa:
- Boa tarde, como vai? – disse o homem bem vestido.
- O que? – perguntou o sujeito mal vestido e sem saber do se tratava.
- Estou querendo saber como está você?
- Por quê?
- Apenas por curiosidade.
- Por que esse interesse na minha vida?
- Sei lá, você parece estar desesperado. Se eu estiver correto, talvez possa ajudar.
- Realmente minha vida não está nada fácil. – disse o homem mal vestido que esboçava poucas lágrimas.
- Fique calmo. Tudo pode melhorar. Me diga qual é o seu nome. – em tom cordial, disse o sujeito bem vestido.
- Meu nome é Carlos. Desculpe pelo choro, mas é por que a situação anda difícil. E por falar em nome, qual é o seu?
- Meu nome é Antônio. Me diga qual o seu problema.
Antônio acompanhou Carlos até um banco da praça, onde os dois sentaram.
CARLOS: Perdi o emprego. Poxa, eu era um funcionário com 22 anos de empresa. Se sempre trabalhei com seriedade e eficiência, porque fui demitido? Por quê?
ANTONIO: Realmente é difícil de entender. Essa crise está ferrando todo mundo. Mas a situação vai mudar.
CARLOS: Mas quando? Eu só vejo notícia ruim. Ninguém sabe quando essa crise vai acabar.
ANTONIO: Vai melhorar, só não sei quando. E posso garantir que não é hoje.
CARLOS: E porque não seria hoje?
ANTONIO: Porque isso aqui é um assalto!
CARLOS: Eu também acho que a crise financeira mundial é como um assalto. Ela chega quando você menos espera e te ferra.
ANTONIO: Você está achando que eu sou palhaço.
CARLOS: Não, apenas concordo com sua comparação.
ANTONIO: Aqui não tem nenhuma comparação. Isso é um assalto mesmo. Não tente reagir. Qualquer movimento que fizer, eu te mato. Mato mesmo, na frente de todo mundo e sem pena.
CARLOS: Antonio, o que é isso? Você não iria me ajudar?
ANTONIO: Mas você é muito burro. Que assaltante daria seu nome de batismo? Seria muito fácil de localizar. E quem iria ajudar um homem mal vestido como você?
CARLOS: Pelo amor de Deus, não faça nada de mau comigo. Eu sei que eu estou ferrado, mas não piore minha situação.
ANTONIO: Eu não quero fazer nada de mau. Só quero que você passe tudo o que tem. Não demora e deixa de frescura.
CARLOS: Mas eu não tenho nada. O que você quer?
ANTONIO: Passa qualquer coisa.
CARLOS: Eu sou vítima da crise, não tenho nada.
ANTONIO: Nada?
CARLOS: Nada.
ANTONIO: Nada? Absolutamente nada?
CARLOS: Nada, porra! Será que além de burro é surdo?
ANTONIO: Me respeita. O assaltante sou eu e quem pode mandar aqui também sou eu.
CARLOS: Está bem. Erro meu. Foi mal.
ANTONIO: Mas nada? Carlos, você não tem nada?
CARLOS: Eu já falei, não tenho nada. Estou desempregado, na maior pindaíba. Estou quebrado.
ANTONIO: Quanto?
CARLOS: Cem por cento.
ANTONIO: Celular?
CARLOS: Tive que vender para comprar café para minha família.
ANTONIO: Relógio?
CARLOS: Já perdi noção do tempo e nem lembro quando foi.
ANTONIO: Jóias?
CARLOS: O único brilho que eu vejo vem das latinhas que coleto para vender. Apostei no ramo da reciclagem, mesmo parado.
ANTONIO: Algum dinheiro! Pelo menos isso você tem e pode me passar.
CARLOS: Não estaria assim se tivesse algum.
ANTONIO: Mas que merda. Não é possível. Como que alguém não tem nada?
CARLOS: É a crise. Culpa ela.
ANTONIO: Rapaz, essa crise ferra todo mundo. Acredita que meu rendimento diminuiu?
CARLOS: Sério?
ANTONIO: Nunca falei tão sério em toda minha vida. Essa crise afeta os dois lados, assaltantes e vítimas. Os dois lados devem sair favorecidos. Se a vítima não tem nada, o que vamos roubar? Essa crise deve acabar!
CARLOS: Também acho.
ANTONIO: Quanto mais trabalho, mais renda. Melhores celulares, jóias, roupas, carros, relógios e tênis. E o que isso quer dizer? Melhores coisas para roubarmos. ABAIXO A CRISE!
CARLOS: É... Faz sentido. Agora, posso ir? – perguntou desconfiado.
ANTONIO: Pode.
CARLOS: Não vai querer nada.
ANTONIO: Querer o que? Você não tem nada. Ah, e mais uma coisa...
CARLOS: O que?
ANTONIO: Aproveita e leva meu celular, relógio, sandália e cem reais. Toma. Vai embora.
CARLOS: Tem certeza?
ANTONIO: Tenho uma coleção de todos esses itens lá em casa. Não vai fazer falta. Ficar do seu lado me deixa deprimido. Vai embora, por favor.
CARLOS: Ok, não precisa humilhar.
ANTONIO: Pior do que você está não dá para ficar.
CARLOS: Não precisa humilhar.
ANTONIO: Vai.
CARLOS: Valeu.
ANTONIO: Crise safada! Ferrando todo mundo. Mas será possível, rapaz?


Gabriel Medeiros.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Se eu fosse Pedro Bial...

Pedro Bial é um intelectual brasileiro. Seus textos são de indiscutível qualidade, do tipo bem cabeça. Você já deve ter escutado a narração de Pedro Bial para o texto Filtro Solar. O texto, não é de autoria dele, mas da jornalista Mary Schmich, do jornal norte-americano Chicago Tribune. Bial apenas narrou o texto em sua versão portuguesa. Mas foi algo tão bem feito que pareceu ser um legítimo Pedro Bial. Estou falando do texto. Filtro Solar, ou Sunscreen (título original), me faz lembrar as crônicas que Pedro Bial escrevia durante a Copa do Mundo. Após os jogos da seleção brasileira, ele sempre nos presenteava com uma crônica “cabeça”. Confesso, que, do texto, só conseguia entender os nomes dos jogadores.
Assim, resolvi escrever o texto Caminhe. Uma homenagem que faço ao jornalista. Tentei ser “cabeça”, mas não sei se consegui. Confira o texto Caminhe, de Gabriel Medeiros.
Caminhe

Caminhe o quanto quiser, mas não caminhe do jeito que quiser. Olhe para frente, siga em linha reta. Aliás, não siga em linha reta. Procure conhecer o ziguezague, pois são raros os momentos em que ele aparece. Mas preocupe-se em andar para frente, nunca para trás. Para trás, só vale a pena olhar. Olhe exaustivamente seus erros e aprenda exaustivamente com eles. Os erros passados são os combustíveis de nossa atual caminhada. Os nossos erros atuais são os combustíveis que iremos usar em um futuro próximo. Não tenha medo. Erre! Abasteça-se do nobre combustível.
Se caminhar no escuro é difícil, difícil mesmo é caminhar no claro. Quando não se enxerga um palmo a frente, é comum se levantar para tentar encontrar a luz. Quando temos a luz ao nosso redor, tudo está claro, quando enxergamos perfeitamente, tendemos ao comodismo, a não querer caminhar. De vez em quando, procure desligar as luzes. Brinque de caminhar no escuro, e, dessa forma, você estará caminhando. Não dê ouvidos aos tolos, aos velhos de espírito. Brinque o tempo todo. Veja graça em qualquer coisa. Brinque de caminhar no escuro. É mais divertido e ajuda a amadurecer.
Para caminhar não é necessário um belo e caro tênis de caminhada. Para caminhar não é necessário um sapato bem engraxado. Para caminhar não é necessário chinelos de dedo acostumados com longas distâncias. Apenas a sua consciência é necessária. É ela quem determina quantos metros ou quilômetros que você vai andar. É ela quem determina se você permanecerá eternamente no mesmo lugar. A consciência deixa para trás tênis caros, sapatos engraxados, chinelos rodados e até mesmo limitações físicas. Quem nunca pensou da seguinte forma: como alguém com deficiência física consegue ser tão inteligente? Como alguém que não enxerga e passa o dia em uma cama pode ser tão sábio? Muito simples. Essas pessoas não precisam de sapatos confortáveis para percorrer grandes distancias, precisam apenas de suas mentes. Decidiram não se abater, enfrentar o mundo, percorrer distâncias inimagináveis. Decidiram caminhar na escuridão. Algumas escuridões são passageiras e podem ser resolvidas por técnicos. Outras são eternas, acompanhando, para sempre, pobres seres humanos desafortunados. Ou seriam afortunados? Teriam todos eles caminhados distâncias tão longas se não tivessem o contato com a escuridão?
Caminhar é preciso! Seja no claro, seja na escuridão. Caminhar é preciso! Não tenha medo dos ziguezagues, dos obstáculos. Não se esqueça de errar! O erro é um combustível precioso. Caminhe no claro, caminhe no escuro. Procure evoluir. Caminhe!
Gabriel Medeiros.