segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Hipocrisia gastronômica.

O brasileiro é terrível. Valoriza descaradamente tudo que vem de fora e menospreza as invenções tupiniquins. Pura besteira. Deveríamos ser mais patriotas, mas nunca ufanistas. Patriotismo em excesso deixa o ser humano cego, fazendo com que ele cometa grandes atrocidades. Devemos amar e respeitar o que é nosso da mesma forma que amamos e respeitamos produtos internacionais.

Um bom exemplo disso pode ser visto no mundo gastronômico brasileiro. O Brasil, como todos sabem e aprendem na escola, é um país de dimensões continentais. Cada canto da pátria amada possui uma cultura própria. Vemos musicas, sotaques, manifestações culturais e, é claro, a culinária. Temos a maniçoba paraense, o vatapá baiano, o pão de queijo mineiro e o churrasco do rio grande. Todas essas iguarias são conhecidas e aclamadas pelas populações dos respectivos estados, além de possuírem um nome característico. Mas, no extenso campo gastronômico brasileiro, existe um prato delicioso, conhecido de norte a sul, leste a oeste, e que é menosprezado. Deixo a pergunta: por que não valorizamos o nosso mexidão? Sim, eu estou falando daquele bom e velho mexidão que você conhece, prepara, come, lambe os dedos, vai dormir satisfeito e mesmo assim não tem coragem de assumir porque quer passar a imagem de que é um sujeito fino, uma pessoa chique. Ah, tenha santa paciência. Nada se compara ao mexidão. Você chega a sua casa tarde da noite, cansado devido ao terrível dia de trabalho e com uma fome de leão. Toma um banho para relaxar e depois vai procurar o que comer. A dispensa está muito bem abastecida, mas você não está com disposição alguma para preparar algo que seja trabalhoso. Levaria tempo demais. O cansaço existe, mas ainda não chegou a um nível tão alto que a solução seja um miojo canalha. Aí, de onde menos se espera, vem a solução. Lembra daquele restinho de almoço de hoje ou do jantar de ontem? Aqueles que são popularmente conhecidos como R.A. (resto do almoço) e R.O.(resto de ontem)? São eles que vão te salvar. Você liga o fogão, pega uma panela qualquer, joga todos os restos de comida, mexe tudo e, quando estiver quentinho, come. Pronto, está feito o mexidão. Melhor que muita comida metida a besta.

O que mais me chama atenção na historia do bom e velho mexidão, é que muitos que desfrutam do imenso prazer que ele oferece acabam por menosprezá-lo. Dizer que não gostam seria uma ofensa pequena quando comparamos ao que realmente é feito. Acompanhe a situação. Determinada noite, um grupo de amigos resolve sair para jantar fora. Estão querendo variar o cardápio. Não agüentam mais comer a mesma comida toda noite. Ninguém merece ficar uma semana inteira só comendo mexidão, dizem os cinco amigos no carro a caminho de um restaurante japonês. Eles chegam, são recebidos e conduzidos até uma mesa para cinco pessoas. Abrem o cardápio e escolhem um prato chamado Yakisoba. É nessa hora que eu tenho vontade gritar: PUTA QUE PARIU, NÃO É POSSÍVEL! Eu já vi na televisão um chefe de cozinha preparando esse prato e conclui que ele não tem nada de especial. Resumindo, ele não passa de macarrão com um monte de legumes, carnes e calabresa que você mistura em uma panela até ficar quentinho e depois come. O nome disso é mexidão, porra! Aí, o grupinho de amigos sai satisfeito do restaurante e combina que na próxima semana vão a um restaurante de comida espanhola para comer um prato chamado Paella. Peço licença para gritar de novo: PUTA QUE PARIU, NÃO É POSSÍVEL! Será que ninguém vê que aquilo nada mais é que arroz misturado em uma panela com uma porrada de frutos do mar e alguns legumes até ficar quentinho para depois comer. O nome disso também é mexidão, porra! Só pedem esses pratos metidos à besta por causa do nome, por ser típico de outro para país e para passarem a imagem de que são pessoas finas, ou melhor, chiques. Dizem: “detesto mexidão, prefiro yakisoba ou paella. Não sou pessoa de comida requentada.” Para que pagar caro por mexidão gringo? Não precisa, é fácil de fazer em casa. Diante da hipocrisia gastronômica, temos duas opções: patentear o nome Mexidão e depois internacionalizarmos, para que todos os pratos semelhantes tenham o mesmo nome e possamos receber o royalties; ou inventarmos um nome cheio de frescura para uma simples iguaria, de custo zero e que já salvou a noite de muitos brasileiros que chegaram tarde e cansados do trabalho.

Gabriel Medeiros.